O que a Fábula de Xuá-Xuá tem a ensinar sobre o vínculo mãe-filho e o respeito à individualidade

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Xuá-Xuá viveu há dezenas de milhares de anos,quando as pré-mulheres e os pré-homens ainda vagavam pelas montanhas  (…).Isso foi muito antes do Homo Sapiens e do Homo Habilis, que já eram quase humanos na aparência,no tamanho do cérebro e na imensa crueldade. Xuá-Xuá, que evidentemente não se chamava assim,não tinha nem esse e nem nenhum outro nome,mesmo porque não se havia ainda inventado nenhuma linguagem falada ou escrita. Ela era a mais bela fêmea de sua horda e Li-Peng,o mais forte dos machos.Naturalmente eles se sentiam atraídos um pelo outro, gostavam de ficar juntos, de nadar juntos, de subir em árvores juntos, sentir os odores mútuos, se lamber,tocar, abraçar, fazer sexo, sem saber ao certo o que estavam fazendo.Era bom estar um com o outro. Eram felizes, tão felizes quanto dois pré-humanos podiam sê-los. Um belo dia, Xuá-Xuá sentiu que seu corpo se transformava:seu ventre crescia mais e mais, além da elegância. Ela tornou-se tímida e decidiu evitar Li-Peng.Ele não compreendia nada do que se passava. Sua Xuá-Xuá que ele amava, nem no físico, nem no comportamento. Os dois amantes se distanciaram. Ela preferiu ficar só, vendo seu ventre inchar. Li-Peng,abadonado, decidiu caçar outras fêmeas,mas sem ter a esperança de encontrar nenhuma outra parecida com seu primeiro amor.É triste sina quando o primeiro amor é o mais completo,o mais pleno e total. Dentro do ventre da mãe, Lig-Lig-Lé crescia e desenvolvia.Não podia, porém, distinguir os limites de seu próprio corpo: seria a superfície de sua pele o limite de seu corpo,que flutuava no líquido amniótico, como uma piscina de água morna? Ou ele se estenderia até os limites do corpo da sua mãe, que o protegia? Seria isso o mundo, o que se estendia além do corpo da mãe? Seu próprio corpo, sua mãe e o mundo inteiro formavam, para ele, uma só e completa unidade. Ele era eles e eles eram ele. Eis porque ainda hoje, quando mergulhamos nossos corpos nus na água, sentimos novamente as sensações primeiras e confundimos nosso corpo com o mundo inteiro. Terra-mãe!!! (…) A primeira sensação mais clara que o menino teve foi ouvir. Lig-Lig-Lé era estimulado concretamente pelo ouvido. Entendia perfeitamente bem certos ritmos contínuos, alguns sons periódicos e alguns barulhos aleatórios. Os batimentos cardíacos da mãe e de seu próprio coração eram ritmos contínuos, ritmos de base, que o guiavam e lhe davam suporte para integrar todos os outros sons e ruídos, assim como numa orquestra o ritmo é essencial. Ele escutava seu sangue e o da sua mãe, correndo em suas veias, como uma música melodiosa-é tão importante a melodia; escutava os ruídos gástricos e algumas vozes vindas do exterior- são inevitáveis. Suas primeiras sensações foram acústicas. E ele era capaz de organizar os sons, orquestrá-los. (…)Alguns meses depois, durante uma linda manhã de sol, Xuá-Xuá deitou-se à margem de um rio e deu à luz um menino. Era pura magia! Xuá-Xuá olhava o seu bebê, sem compreender aquilo que tinha surgido de dentro dela. Aquele corpinho minúsculo, que parecia com o seu, era sem dúvida uma parte sua, que antes estava dentro dela e agora estava fora. Mãe e filho eram a mesma pessoa. A prova concreta disso era que aquele pequeno corpo – parte indissociável de Xuá-Xuá – queria incessantemente retornar a ela, juntar seu pequeno corpo ao grande corpo, sugar seu seio para recriar o cordão umbilical. Pensando assim,ela se acalmava: os dois eram ela mesma, e ela era os dois. De longe,Li-Peng observava. O bebê se desenvolveu rapidamente: aprendeu a andar sozinho,a comer outros alimentos,além do leite de sua mãe. Tornou-se mais independente. Algumas vezes, o pequeno corpo não obedecia mais ao grande corpo. Xuá-Xuá ficou aterrorizada. Era como se ordenasse às suas mãos que rezassem  e elas insistissem em lutar boxe. Como se ordenasse às suas pernas que se cruzassem e sentassem, e elas insistissem em andar e correr. Uma verdadeira rebelião de uma pequena parte de seu corpo. Uma parte pequena, mas muito querida, muito amada e aguerrida. Ela olhava os seus 2 “eus”: o ela-mãe e o ela-criança. Os 2 eram ela mesma; mas a parte pequena era desobediente, travessa, malcriada. Uma noite, Xuá-Xuá estava dormindo. Li-Peng curioso, não conseguia entender a relação entre Xuá-Xuá e seu filho, e queria criar sua própria relação com o menino. Quando Lig-Lig-Lé acordou, Li-Peng atrair sua atenção. Xuá-Xuá ainda dormia quando os 2 (pai e filho)partiram, como bons companheiros. Desde o início, Li-Peng soube perfeitamente que ele e Lig-lig-Lé eram duas pessoas diferentes, pois não sabia ser Lig-Lig-Lé seu filho (afinal, não via nenhuma relação de causalidade entre as brincadeirinhas do casal e o nascimento do bebê). Ele era ele e a criança era outro. Ensinou seu filho a caçar, pescar, etc. Lig-Lig-Lé estava feliz. Xuá-Xuá, ao contrário, ficou desesperada quando acordou e não viu o pequeno corpo ao seu lado. Chorava cada vez mais e com maior sofrimento, porque perdera uma parte bem-amada de si mesma. Gritava e gritava entre vales e montanhas, esperando que seus gritos fossem ouvidos, mas Li-Peng e Lig-Lig-Lé estavam longe demais para ouvi-la, e quando a ouviam,mais se afastavam. Xuá-Xuá reencontrou pai e filho alguns dias mais tarde. Tentou recuperar seu filho,mas o pequeno corpo disse não,porque agora ele estava feliz com seu pai,que lhe ensinava coisas que sua mãe ignorava. Ouvindo o peremptório “Não”, Xuá-Xuá foi obrigada a aceitar que aquele pequeno corpo,mesmo tendo saído de seu ventre,obra sua-ele era ela!-, era também outra pessoa com seus próprios desejos e vontades. A recusa de Lig-Lig-Lé em obedecer à sua mãe levou-a a compreender que eles eram dois e não apenas um. Cada um havia feito sua própria escolha. Então havia duas escolhas possíveis, duas opiniões, dois sentimentos diferentes: isto é, duas pessoas, dois indivíduos. Esse reconhecimento obrigou Xuá-Xuá a olhar para si mesma e a ver-se como apenas uma mulher,uma mãe, uma dos dois: obrigou-a a se identificar e identificar os outros. Quem era ela? Quem era o filho e quem era Li-Peng? Onde estavam e para onde iam? E quando? E agora? E amanhã? E depois?Teria ela outros homens, assim como Li-Peg tivera outras mulheres? E seriam todos tão predadores como Li-Peg? O que aconteceria se seu ventre crescesse outra vez? Xuá-Xuá procurava respostas. Procurava a si mesma, se olhava: ela e os outros, ela e ela mesma;aqui e lá,hoje e amanhã. Ao perder o filho, Xuá-Xuá encontrou-se a si mesma.
 

Opinião de pacientes

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Gabriela Santana
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